terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Amar sem gostar?

Neste meu permanente processo de conversão, tive muitas dificuldades quando deparei com o principal mandamento – "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento” (Mt 22,37). Minha dúvida elementar, igual à de tantos outros, era como amar tão profundamente alguém que eu não via. Quando, então, colocava Deus junto dos meus entes mais queridos – minha esposa, meus filhos, meus pais – e comparava o amor que sentia por cada um deles, me perguntava: - Como amar Deus mais que eles?

Passei a procurar a resposta onde ela deveria estar – na sagrada escritura, e perguntando, aqui e ali, a pessoas de vivência na fé mais profundas e mais antigas que a minha. Antes que esta resposta fosse gerada em mim, ainda me perturbei mais ainda, ao ler Lc 6, 27-36. Cristo ali pede, com todas as letras, sem margem para outras interpretações, que amemos nossos inimigos, que falemos bem de quem fala mal de nós, que oremos pelos nossos caluniadores, que demos o que temos para quem nos pedir e até a quem nos toma, que revidemos à bofetada ofertando a outra face! Como é possível isto? Como eu vou amar, como eu vou gostar de alguém que me deseja ou faz o mal?

Levou alguns anos, mas descobri qual era meu erro. Eu achava que para amar era necessário gostar. Ou seja, que o amor dependia de uma emoção, de um sentimento (gostar). Nós não dominamos nossos sentimentos, podemos, quando muito, controlá-los. E as experiências cotidianas mais marcantes que temos do amor – para com nossos filhos, para com nossos pais, passam pelo gostar, e nos fazem confundir gostar com amar.

Sendo o amor a maior de todas as virtudes, o maior bem legado por Deus a nós, o motivo pelo qual Jesus se entregou para ser imolado, não pode ele depender de um mero sentimento. Ele tem que ser fruto do livre arbítrio que Deus nos concedeu, fruto de nossa vontade, de nosso pensar, para ser modo de nosso agir. Assim, o verdadeiro amor é fruto da razão, permitindo-se temperar pelo sentimento, mas predominantemente guiado pela nossa vontade. Pode, então, ser apresentado, primeiramente, na forma de respeito à dignidade do próximo, seja ele quem for e, quando mais desenvolvido, pela compaixão, a forma preferida de Jesus para manifestá-lo, e pela misericórdia, ato com que constantemente Deus Pai demonstra seu infinito amor para conosco.

É na família que podemos mais rápida e facilmente descobrir este verdadeiro amor. É ela o ambiente propício para que a criança, o jovem e o adulto aprendam e desenvolvam o respeito ao próximo e suas coisas, a solidariedade, a partilha, a ajuda, o perdão, o carinho, a compaixão, a misericórdia, todas estas manifestações concretas do amor. E é assim que o amor a Deus, obrigação primeira de qualquer cristão, traduz-se no amor ao próximo, pois Deus já tem tudo, de nada precisa, e se alegra quando vê a atitude amorosa de um irmão pelo outro.